5 de set. de 2008

Entre aspas

Anselmo reuniu os funcionários e avisou que a partir daquele momento estava terminantemente proibido falar com aspas no horário comercial.
Alguém perguntou como se falava com aspas e ele quase fez o odiado gesto para demonstrar. Respirou e parou a tempo.
Se eles quisessem enfatizar uma palavra, que enfatizassem com a voz, com a cabeça, com o nariz. Tudo menos abrir os braços e desenhar com dois dedos de cada mão as infames aspas no ar.
Na visão de Anselmo, uma pessoa que fala com aspas é irônica. Mais que irônica, irritante. Irritantemente redundante. E presunçosa: já parte do pressuposto que ninguém vai captar a mensagem e utiliza o recurso das aspas como um "entendeu" subentendido.
- E no papel, pode?
Anselmo quase se traiu fazendo as aspas aéreas para mandar o engraçadinho tomar "naquele lugar".
Essa é a questão.
Aspas no papel são inofensivas, explicou com as mãos no bolso. Ninguém lê uma palavra entre aspas e sente vontade de escrever algo entre aspas também.
Já as aspas feitas com os dedos das mãos são uma verdadeira praga. O movimento sincronizado dos quatro dedos juntos e inclinados no mesmo ângulo contagiam. Mais cedo ou mais tarde, os outros acabam repetindo o gesto sem se dar conta.
-E em casa, pode?
Como é difícil estabelecer métodos de trabalho, pensou Anselmo. O que ele estava pedindo não era tão complicado assim. Era um favor a todos e principalmente à língua portuguesa. O simples fato de não poder utilizar o cacoete das aspas estimularia cada um a se libertar, buscar novos adjetivos e expressões, enriquecendo o vocabulário. Sem mencionar o colorido na voz, obtido graças ao emprego de variadas entonações.A partir de agora, naquela empresa somente aspas escritas. Podia ser pior, disse Anselmo para descontrair o ambiente. Qualquer hora dessas, ele contava do seu ódio por pessoas que falam com reticências.

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