Para a dona Clotilde, o mundo se dividia entre as pessoas que viam novela e as que ainda iam ver. Sábia mulher. Para quem duvidasse, ela tinha um exemplo dentro de casa. A filha Jane, que sempre se recusou a permanecer no mesmo recinto que um galã e uma protagonista.
Sangue do seu sangue, aquela garota não podia ser imune a uma boa trama. Nascida em uma família que se orgulhava de ter cedido a calçada da frente para a gravação da primeira cena de beijo do então desconhecido Tony Ramos, Jane precisava gostar de novelas. Era o que todos esperavam dela. Seu nome foi escolhido em homenagem a Janete Clair, ícone do diálogo bem-construído.
Só para implicar, na hora da novela Jane ia dormir, ler, falar no telefone, lavar louça, tomar banho, fazer qualquer coisa que não tivesse uma música-tema ao fundo. Dona Clotilde, que achava chato ver novela sozinha, apelava: contava mais uma vez das terríveis dores que sentiu no seu parto. E, nem que fosse por consideração, pedia que a filha sentasse ao seu lado no sofá. Com ar de superioridade, Jane dizia que não ia dar os melhores anos da sua vida ao Projac.
-Depois da novela eu te deserdo, menina!
-Depois da novela! A senhora só sabe dizer isso!
Dona Clotilde aumentou o volume e, feito a pior vilã da teledramaturgia brasileira, rogou uma praga para a própria filha: “um dia essa daí vai viver nas novelas.”
No dia seguinte, Jane acordou estranha. Só falava frases feitas. Suas roupas, seu quarto, tudo estava diferente. Bem ou mal, tinha um Porsche conversível estacionado na garagem. Aquilo podia ser delírio de fome, quem mandou dormir de barriga vazia? Foi para a cozinha e a mesa estava posta para o café da manhã, com um empregado de cada lado. Mordeu o pãozinho e ele era de resina. A geléia também! Tudo ali era falso. Para completar, ela ouvia sempre a mesma música irritante, sem saber de onde vinha. Jane saiu correndo para a rua, entrou no carro e podia jurar que estava sendo seguida por uma câmera. O mais estranho é que alguém gritou “silêncio, gravando!”.
Às vinte horas e cinquenta minutos, dona Clotilde ligou a TV e não acreditou quando viu a filha dentro da novela. Reconheceu o corte de cabelo, as roupas, o cenário: sua Jane fazia parte do núcleo rico!
-Filha, tá me ouvindo?
-Eu não mereço o Jorge Augusto, mami.
-Você nunca me chamou de mami. E quem é esse Jorge Augusto?
-Sei lá, mandaram eu dizer isso. Com tom de voz emocionado. Você não acompanha essa babozeira!?
Dona Clotilde buscou o jornal do dia e abriu rápido na página com o resumo das novelas. O capítulo de hoje estava imperdível. Sua Jane iria atropelar Pedro Miguel e conhecer o médico Jorge Augusto a caminho do hospital, por quem se apaixonaria perdidamente. Se tudo desse certo, eles tinham grandes chances de terminar a novela juntos.
-Janinha, esquece o beijo técnico! Vai com tudo, minha filha!
Sangue do seu sangue, aquela garota não podia ser imune a uma boa trama. Nascida em uma família que se orgulhava de ter cedido a calçada da frente para a gravação da primeira cena de beijo do então desconhecido Tony Ramos, Jane precisava gostar de novelas. Era o que todos esperavam dela. Seu nome foi escolhido em homenagem a Janete Clair, ícone do diálogo bem-construído.
Só para implicar, na hora da novela Jane ia dormir, ler, falar no telefone, lavar louça, tomar banho, fazer qualquer coisa que não tivesse uma música-tema ao fundo. Dona Clotilde, que achava chato ver novela sozinha, apelava: contava mais uma vez das terríveis dores que sentiu no seu parto. E, nem que fosse por consideração, pedia que a filha sentasse ao seu lado no sofá. Com ar de superioridade, Jane dizia que não ia dar os melhores anos da sua vida ao Projac.
-Depois da novela eu te deserdo, menina!
-Depois da novela! A senhora só sabe dizer isso!
Dona Clotilde aumentou o volume e, feito a pior vilã da teledramaturgia brasileira, rogou uma praga para a própria filha: “um dia essa daí vai viver nas novelas.”
No dia seguinte, Jane acordou estranha. Só falava frases feitas. Suas roupas, seu quarto, tudo estava diferente. Bem ou mal, tinha um Porsche conversível estacionado na garagem. Aquilo podia ser delírio de fome, quem mandou dormir de barriga vazia? Foi para a cozinha e a mesa estava posta para o café da manhã, com um empregado de cada lado. Mordeu o pãozinho e ele era de resina. A geléia também! Tudo ali era falso. Para completar, ela ouvia sempre a mesma música irritante, sem saber de onde vinha. Jane saiu correndo para a rua, entrou no carro e podia jurar que estava sendo seguida por uma câmera. O mais estranho é que alguém gritou “silêncio, gravando!”.
Às vinte horas e cinquenta minutos, dona Clotilde ligou a TV e não acreditou quando viu a filha dentro da novela. Reconheceu o corte de cabelo, as roupas, o cenário: sua Jane fazia parte do núcleo rico!
-Filha, tá me ouvindo?
-Eu não mereço o Jorge Augusto, mami.
-Você nunca me chamou de mami. E quem é esse Jorge Augusto?
-Sei lá, mandaram eu dizer isso. Com tom de voz emocionado. Você não acompanha essa babozeira!?
Dona Clotilde buscou o jornal do dia e abriu rápido na página com o resumo das novelas. O capítulo de hoje estava imperdível. Sua Jane iria atropelar Pedro Miguel e conhecer o médico Jorge Augusto a caminho do hospital, por quem se apaixonaria perdidamente. Se tudo desse certo, eles tinham grandes chances de terminar a novela juntos.
-Janinha, esquece o beijo técnico! Vai com tudo, minha filha!
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