22 de mai. de 2011

Crônica publicada no Caderno Donna de Zero Hora


Renomeando



Desde que me conheço por gente, tenho medo de cachorro. Foi herdado junto com as coxas grossas. Com o passar do tempo, nem as coxas afinaram e nem o medo passou. Mesmo assim, tive uma infância normal e uma adolescência tranquila. Consegui ter amigos, me formar, namorar, casar, procriar.
Esse medo só começou a atrapalhar na vida adulta. Não por causa dos cachorros, bem ou mal a gente se entende. O problema são os adultos. Como pode uma mulher crescida ter medo de cachorro?! É inaceitável, politicamente incorreto, quase uma falha de caráter, uma afronta. É como se eu ainda andasse de bicicleta com rodinhas.
Tem os que acham graça desse meu medo e sacodem os ombros, certos de que existem coisas bem mais importantes para resolver. E tem uma facção que se dispõe a me curar, desde que eu tope interagir com seus inofensivos pets. Vá explicar que não é assim que funciona? Detectar um ser peludo a poucos metros de distância mexe com todo o meu metabolismo.
Por uma dessas ironias da vida, casei com um homem que adora cães e estamos juntos até hoje, apesar de eu nunca ter cedido às suas súplicas. A única concessão foi comprar um dócil cãozinho de pelúcia quando descobrimos que teríamos o primeiro baby. Antes que você pense que passei adiante a maldição, posso afirmar que meus filhos convivem pacificamente com o mundo animal. E, sendo sincera, eles gostam. Aproveito para agradecer em público a todos os amigos do Rafael e do Fabio que possuem animais de estimação e fazem a gentileza de suprir essa carência.
Tenho a sensação de que não sou a única adulta com medo de cachorro (extensivo a gatos, peixes, coelhos, tartarugas e hamsters). Falando nisso, nunca vi donos de gato ou peixe dizerem “Ele não morde”. Essa frase, repetida à exaustão pelos proprietários de cães, não surte o menor efeito em pessoas como eu. Parece slogan de campanha política: desgastado e desacreditado. Eu preferia que algum dono de cachorro falasse a verdade: ”Ele não me morde, agora quanto a você... sei lá”.
Esses dias, em mais um confronto canino, tive uma epifania. Ao entrar no meu condomínio e dobrar em direção aos elevadores, fui surpreendida por três salsichas sem coleiras (sei que rottweilers seriam realmente ameaçadores, mas concentre-se na quantidade: 3!!). Minhas pernas travaram, eu poderia ter passado o resto do dia ali congelada feito bife no freezer. Devo ter feito uma cara de apavorada além do normal. Dei a explicação de praxe e meu vizinho foi taxativo:
-É fobia.
Sem dizer mais nada, ele afastou com o pé seu exército de salsichas. Solidário, abriu caminho para eu passar. Naquele momento, entendi tudo: eu estava usando a palavra errada. Adulto pode ter medo da violência, da inflação, do leão do imposto de renda e olhe lá. Ter medo de cachorro é coisa de criança. O que um adulto esclarecido tem é fobia. Quantas quiser. Fobias são compreensíveis, contemporâneas, simpáticas, urbanas, modernas. Hoje em dia quem não tem uma fobiazinha para contar?
Meu medo estava desatualizado. Precisou ser renomeado para ser aceito socialmente. Era como se eu ainda falasse em vitrola ou calça de brim coringa. Por isso, ninguém entendia. Não sei o nome do vizinho, qual é seu apartamento, se é psiquiatra ou decorador. Não importa. Graças a ele, estou curada. Não tenho mais medo de cachorro. Agora tenho fobia.

6 comentários:

Dariana Coelho disse...

Adorei!!! Seu medo só mudou de nome, está atualizado, mas ele continua lá, até você encontrar o próximo cachorro e ele voltar a gritar!!! :o))

Fernanda Sahira disse...

tb tenho medo, mas nao fobia, ja que amo os MEUS caes, mas acredite, a tatica do cachorreiro aqui, foi vestir as danadas(2) como ursinhos e entregar em uma caixinha, junto com um abaixo assinado das crianças falando que aceitando eles, estaria deixando de gastar anos de psiquiatra rsrsr, mas agora de cavalo...bahhhh transpiro, fico mole, passo mal so de chegar perto, ja refiz caminhos enormes, por causa da POSSIBILIDADE de chegar perto de um cavalo rsrrs

bjkas

otima semana

Fernanda

Alexandra Lopes Da Cunha disse...

já dei meus parabéns no FB e reforço aqui: muito bom!
bjs,

Anônimo disse...

Magali, eu nem sei como mas consegues traduzir meus sentimentos!
Meu filho de 5 anos, o Chico, tem fobia de cachorro e eu sofro junto com ele!
Eu tb tinha medo, mas no meu tempo cachorro ainda não era tratado como gente?!! Não existia essa quantidade de cachorros pelas ruas, supermercados, parques. Tinha cachorro cão de guarda e vira-lata solto pelas ruas.

Hoje, quem nõ gosta ou tem medo de cachorro parece E.T.!

mAS NÃO SABES o que aconteceu! Ao ler a tua cronica maravilhosa (que guardarei eternamente com muito carinho aqui em casa), resolvi ler e mostrar a figura para o Chico... o que aconteceu no Domingo??? Magica! ele passeou naquele sol maravilhoso sem ter medo algum de cachorros!!! Desfilou por salsichinhas, por cachorros brabos e grandes, soltos ou presos, e nada de medo! Sem palavras.
Eu perguntei? Chico, o que será que aconteceu? E ELE " Mãe, acho que deixei a fitinha do medo em casa"!
Obrigada por declarar a situação de muitos que estão contigo e ajudar os outros a nos entenderem e rspeitarem. Um grande beijo!

Milene disse...

Também adorei a troca do nome. Me sinto muito ridícula tendo medo de cachorros. O pior é que realmente gosto muito de cães. Só não consigo relaxar perto deles. Sinto que o corpo endurece e acaba me levando para outra direção. Mas sei que não me sentiria assim se o cão fosse meu.
Já o corredor do condomínio, apinhado de gatos, eu atravessaria numa ótima, sem receio nenhum, bem feliz hehehehe.
É bom ler algo assim como tu escrevestes, pois quem tem esse tipo de fobia se sente muito bobo, como se fosse um absurdo caso único.
Abçs e boa semana.

Fernanda Reali disse...

Eu já te disse mil vezes que eu gosto mais de cachorros do que de crianças, eu amoooo cachorros e queria ter uns 20, então poderia achar bobagem teu "medo", mas não acho. Sabe por quê? Porque eu sinto a mesma coisa em relação a aves.

Eu não chego perto de uma galinha, de um papagaio, de um pintinho amarelinho nem morrrta. Se tiver penas, eu paraliso.

Acho ridículo ter medo de cachorro, de galinha etc, mas só um bom terapeuta nos curaria. Não posso fazer terapia agora, então abafa o caso!