-A rúcula mudou a minha vida.
-Não simplifique as coisas, Lisa.
-Como eu consegui viver 37 anos sem rúcula?
-Nós temos questões mais sérias para tratar. Como essa sua mania de fugir do assunto.
-Estou falando sério. A rúcula parece amarga no início. Depois a gente vai mastigando e se apaixona.
-Na última vez, nós falávamos da sua família. Mais especificamente, da relação dominadora com seu pai.
-Culpa da minha mãe. Se ela tivesse colocado rúcula na mesa, eu não perderia tempo brigando com ele.
-Pela última vez, Lisa. Daqui a pouco o horário termina.
-E pensar que foi uma pizza com tomate seco e rúcula!
-Quero falar dos seus medos reais, não de salada.
-Mas eu enfrentei o medo do desconhecido: pedi pizza quatro queijos, como sempre. Quando abri a caixa e vi aquele matagal verde, fiquei furiosa. Aí a fome apertou e eu encarei a rúcula.
-Já entendi. Você está se escondendo atrás de metáforas. O queijo representa segurança, uma espécie de conexão láctea com sua mãe. Os quatro queijos, o amor em excesso. O matagal verde...
-Rúcula.
-A rúcula representa o paladar refém. Em outras palavras, a negação do afeto.
-Para que complicar tudo? A rúcula é uma salada. A combinação perfeita com o tomate, o contraponto da alface, o equilíbrio da salada mista. Pronto.
-Não é só uma salada. Você está querendo me dizer algo, Lisa.
-Só se for que eu estou com fome.
-Uma vez atendi uma paciente que só expressava seus sentimentos dando receita de bolo.
-Maluquice.
-Demorei meses para fazer a ligação da farinha de trigo peneirada com a morte trágica da sua bisavó.
-Eu, hein.
-Você me lembra ela. Como você prepara a rúcula, Lisa? Arranca as folhas do talo com as mãos ou com a faca?
-Acho que tá na hora de eu ir.
-COM AS MÃOS OU COM A FACA, ELIZABETE NUNES?
-Com as mãos. Nossa, nunca vi o senhor tão alterado.
-Eu sabia! As mãos arrancam as folhas porque o inconsciente não pode arrancar a mágoa! Seu pai come rúcula, Lisa?
-Agora essa!
-Como é a relação do seu pai com o agrião e o radiche?
-Melhor fazer terapia com empacotador de supermercado.
-Pois eu digo: você experimentou rúcula na tentativa de resgatar as pazes com seu pai.
-Acabo de me dar alta. Tem gente pior nessa sala.
-Lisa, volte aqui! Preciso saber como você tempera a rúcula!
-Vou deixar o cheque na recepção.
-Fuja do azeite de oliva, Lisa! O aceto balsâmico é a simbiose familiar!!
Depois daquele dia, Lisa passou a comer rúcula sem temperar. Melhor deixar passar um tempo. Ela ainda podia ver a boca daquele doido espumando como um vinagre vencido.
-Não simplifique as coisas, Lisa.
-Como eu consegui viver 37 anos sem rúcula?
-Nós temos questões mais sérias para tratar. Como essa sua mania de fugir do assunto.
-Estou falando sério. A rúcula parece amarga no início. Depois a gente vai mastigando e se apaixona.
-Na última vez, nós falávamos da sua família. Mais especificamente, da relação dominadora com seu pai.
-Culpa da minha mãe. Se ela tivesse colocado rúcula na mesa, eu não perderia tempo brigando com ele.
-Pela última vez, Lisa. Daqui a pouco o horário termina.
-E pensar que foi uma pizza com tomate seco e rúcula!
-Quero falar dos seus medos reais, não de salada.
-Mas eu enfrentei o medo do desconhecido: pedi pizza quatro queijos, como sempre. Quando abri a caixa e vi aquele matagal verde, fiquei furiosa. Aí a fome apertou e eu encarei a rúcula.
-Já entendi. Você está se escondendo atrás de metáforas. O queijo representa segurança, uma espécie de conexão láctea com sua mãe. Os quatro queijos, o amor em excesso. O matagal verde...
-Rúcula.
-A rúcula representa o paladar refém. Em outras palavras, a negação do afeto.
-Para que complicar tudo? A rúcula é uma salada. A combinação perfeita com o tomate, o contraponto da alface, o equilíbrio da salada mista. Pronto.
-Não é só uma salada. Você está querendo me dizer algo, Lisa.
-Só se for que eu estou com fome.
-Uma vez atendi uma paciente que só expressava seus sentimentos dando receita de bolo.
-Maluquice.
-Demorei meses para fazer a ligação da farinha de trigo peneirada com a morte trágica da sua bisavó.
-Eu, hein.
-Você me lembra ela. Como você prepara a rúcula, Lisa? Arranca as folhas do talo com as mãos ou com a faca?
-Acho que tá na hora de eu ir.
-COM AS MÃOS OU COM A FACA, ELIZABETE NUNES?
-Com as mãos. Nossa, nunca vi o senhor tão alterado.
-Eu sabia! As mãos arrancam as folhas porque o inconsciente não pode arrancar a mágoa! Seu pai come rúcula, Lisa?
-Agora essa!
-Como é a relação do seu pai com o agrião e o radiche?
-Melhor fazer terapia com empacotador de supermercado.
-Pois eu digo: você experimentou rúcula na tentativa de resgatar as pazes com seu pai.
-Acabo de me dar alta. Tem gente pior nessa sala.
-Lisa, volte aqui! Preciso saber como você tempera a rúcula!
-Vou deixar o cheque na recepção.
-Fuja do azeite de oliva, Lisa! O aceto balsâmico é a simbiose familiar!!
Depois daquele dia, Lisa passou a comer rúcula sem temperar. Melhor deixar passar um tempo. Ela ainda podia ver a boca daquele doido espumando como um vinagre vencido.
2 comentários:
ahhahahaha, ótimo!
Magali, cheguei aqui pela Fernanda Reali, que está sorteando teu livro.
Amei o blog...
Eu amo rúcula e amei este texto. Ri muitooooooooooooooooooooooooo
Gostaria de pedir tua permissão para publicá-lo no meu blog, com os devidos créditos.
Aguardo retorno.
bjs bjs
http://www.larfamiliaecia.blogspot.com/
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