Ninguém vai escrever isso na ata da reunião, mas pode apostar que o Miranda do 603 está de olho na Janete do 204 – justo a síndica. Não vejo outro motivo para explicar esse súbito interesse no prédio. Até o tamanho dos sacos de lixo ele comentou. Daqui a pouco o homem vai pedir para ver a planta elétrica da garagem.
Reunião de condomínio com duas horas e meia de duração é pior que chamada extra. Se o Miranda não tem consideração por quem ainda não jantou, que tenha dó da velhinha do 802 – olha ali a coitada segurando a chave da casa como quem se agarra ao terço.
A gente chega cansado do trabalho e tem que aguentar vizinho contando que achou cupim na caixa de correspondência só para impressionar. Formiga dentro do armário da cozinha é mil vezes pior. Por que o Miranda não corta o fio do telefone, se enforca no meio da sala e chama a Janete para resolver? Ela não é de se jogar fora, só que síndica é que nem irmã de amigo. Não dá para pegar porque acaba em confusão. Depois como é que o cara vai reclamar do preço da jardinagem? E se os dois brigarem, como é que vão dividir o mesmo elevador?
Ele vai perguntar sobre o vazamento. Perguntou. Eu já senti cheiro de gás no corredor, todo mundo já sentiu, coisa de nada. O prédio não vai explodir por causa disso. Se for tudo pelos ares, só vão sobrar as baratas e nenhuma delas vai se preocupar se queimou a lâmpada dicróica do hall de entrada – sim, o Miranda incluiu no seu monólogo esse requinte de decoração.
Logo hoje que a novela vai estar boa ele resolve contar que encontrou xixi de cachorro no chão da garagem. Regra Número Um: não seja louco de tocar em assunto polêmico na reunião de condomínio. É o atestado de não tenho nada melhor para fazer em casa. Regra Número Dois: qualquer animal de estimação causa polêmica. O cachorro estava apertado, promete não fazer de novo. Ruim é ouvir vizinha chamando pulguento de filhinho.
E agora o Miranda inventou de falar nas rachaduras do prédio. Outra polêmica que rende horas de reunião. Deixa o prédio envelhecer, Miranda. Você também está cheio de rugas e nem por isso vou mandar passar argamassa na sua testa. Próximo assunto, por favor – e que seja o último. Reunião de condomínio devia funcionar como leitura dinâmica. Rachadura... portaria... salão de festa... fim.
-Posso ajudar na tomada de preços. Do jeito que estão os juros, é melhor fazer cinco orçamentos.
Cinco! O homem quer fazer orçamento ou balanço contábil? A Janete não consegue disfarçar o sorriso, logo vai convidar o Miranda para conferir o balanço do colchão.
-Que gentil, Celso.
Celso! A gente mora dez anos no mesmo prédio e pensa que conhece todo mundo. Então o mané se chama Celso.
-Será que não é o caso de orçar também uma impermeabilização completa, Jan?
Jan! Esse já está tirando o lixo de outro apartamento. Jan e Celsinho ao vivo. O mundo acabou e eu não sabia.
-Quem sabe a gente faz uma votação para ver se pinta a fachada do prédio de caramelo médio ou creme claro? Mas só se os porteiros usarem gravata da mesma cor.
Esse sou eu e o meu espírito-de-porco. Se não posso comer a chuletinha que sobrou na geladeira, então ninguém vai jantar hoje. A síndica notou o sarcasmo e tomou a palavra.
-Bom, já está tarde. Proponho encerrarmos a reunião. Os assuntos pendentes eu trato depois com o sub-síndico. Para quem não sabe, é o Senhor Celso do 603.
-É muita responsabilidade, gente. Por isso eu me ofereci.
Reunião de condomínio com duas horas e meia de duração é pior que chamada extra. Se o Miranda não tem consideração por quem ainda não jantou, que tenha dó da velhinha do 802 – olha ali a coitada segurando a chave da casa como quem se agarra ao terço.
A gente chega cansado do trabalho e tem que aguentar vizinho contando que achou cupim na caixa de correspondência só para impressionar. Formiga dentro do armário da cozinha é mil vezes pior. Por que o Miranda não corta o fio do telefone, se enforca no meio da sala e chama a Janete para resolver? Ela não é de se jogar fora, só que síndica é que nem irmã de amigo. Não dá para pegar porque acaba em confusão. Depois como é que o cara vai reclamar do preço da jardinagem? E se os dois brigarem, como é que vão dividir o mesmo elevador?
Ele vai perguntar sobre o vazamento. Perguntou. Eu já senti cheiro de gás no corredor, todo mundo já sentiu, coisa de nada. O prédio não vai explodir por causa disso. Se for tudo pelos ares, só vão sobrar as baratas e nenhuma delas vai se preocupar se queimou a lâmpada dicróica do hall de entrada – sim, o Miranda incluiu no seu monólogo esse requinte de decoração.
Logo hoje que a novela vai estar boa ele resolve contar que encontrou xixi de cachorro no chão da garagem. Regra Número Um: não seja louco de tocar em assunto polêmico na reunião de condomínio. É o atestado de não tenho nada melhor para fazer em casa. Regra Número Dois: qualquer animal de estimação causa polêmica. O cachorro estava apertado, promete não fazer de novo. Ruim é ouvir vizinha chamando pulguento de filhinho.
E agora o Miranda inventou de falar nas rachaduras do prédio. Outra polêmica que rende horas de reunião. Deixa o prédio envelhecer, Miranda. Você também está cheio de rugas e nem por isso vou mandar passar argamassa na sua testa. Próximo assunto, por favor – e que seja o último. Reunião de condomínio devia funcionar como leitura dinâmica. Rachadura... portaria... salão de festa... fim.
-Posso ajudar na tomada de preços. Do jeito que estão os juros, é melhor fazer cinco orçamentos.
Cinco! O homem quer fazer orçamento ou balanço contábil? A Janete não consegue disfarçar o sorriso, logo vai convidar o Miranda para conferir o balanço do colchão.
-Que gentil, Celso.
Celso! A gente mora dez anos no mesmo prédio e pensa que conhece todo mundo. Então o mané se chama Celso.
-Será que não é o caso de orçar também uma impermeabilização completa, Jan?
Jan! Esse já está tirando o lixo de outro apartamento. Jan e Celsinho ao vivo. O mundo acabou e eu não sabia.
-Quem sabe a gente faz uma votação para ver se pinta a fachada do prédio de caramelo médio ou creme claro? Mas só se os porteiros usarem gravata da mesma cor.
Esse sou eu e o meu espírito-de-porco. Se não posso comer a chuletinha que sobrou na geladeira, então ninguém vai jantar hoje. A síndica notou o sarcasmo e tomou a palavra.
-Bom, já está tarde. Proponho encerrarmos a reunião. Os assuntos pendentes eu trato depois com o sub-síndico. Para quem não sabe, é o Senhor Celso do 603.
-É muita responsabilidade, gente. Por isso eu me ofereci.
Os sobreviventes da chacina condominial não têm nada a declarar. Que conste na ata: o Miranda está matando a síndica.
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