14 de out. de 2008

De bandeja

Devia ser proibido ir direto do trabalho para aniversário de criança. Último dia de trabalho, então, deveria ser considerado crime inafiançável. Prisão Perpétua. Cadeira elétrica com choque duplo nos genitais.
A tristeza de deixar para trás amigos queridos. A saudade antecipada. Os abraços sinceros. A força para não molhar o rímel. As oitos horas mais longas da vida. O e-mail de despedida. O chalalá de partir para novos desafios. E depois aquelas bandejas de docinhos dizendo “vem cá regular a lenta, querida”.
Alguém gentilmente coloca uma bandeja na minha frente, como se percebesse um desejo latente de afogar as mágoas na glicose.
-Agora não, obrigada.
-Come, você está tão branquinha.
Pensando bem, um porre de branquinhos seria perfeito. Segurar o pelotine transparente como quem ergue uma taça de cristal e mandar ver. Para começar, vinte branquinhos um atrás do outro, sem sentir o gosto. Só o açúcar descendo redondo e queimando a garganta. Os granulados fazendo cosquinha e subindo direto para o cérebro. Depois mais vinte brigadeiros para alcançar aquele estado débil-alegre-foda-se. Com tantas crianças gritando e subindo pelas paredes, ninguém vai reparar se eu enrolar a língua na hora do parabéns.
A consciência fala mais alto. Lembro das horas investidas na esteira, do prazer de vestir uma calça muitos números menor e levanto da mesa. Já comi um papaya antes de sair. Vou até a janela tomar ar. Quem sabe um guaraná diet com gelo.
O menino mais suado da festa (talvez do mundo) engole o gás hélio de um balão e fala com voz de pato. Uma risada automática escapa da minha boca – é piada velha, mas relaxa como dedos fortes massageando os ombros numa sessão de shiatsu infantil.
De repente a tensão desaparece. Amanhã é outro dia e outra vida. Converso com as pessoas, passo batom, me ofereço para limpar um nariz ranhento, quase tiro os escarpins e entro na fila da cama elástica. Parabéns para eu mesma, que finalmente consegui relaxar.
Quanto às tentações alimentícias, lembro de um truque testado e aprovado em regimes passados. Imagino que aquelas bombas calóricas são docinhos de plástico. E também os salgadinhos, os cachorrinhos, a torta fria, a mãe do aniversariante. Tudo cenário.
-Aceita um caramelado?
Que sacanagem. Ela deve ter lido meus pensamentos. É como oferecer champanhe a uma pessoa com sede. Aceito, sim. A bandeja inteira. Caramelados são meu ponto fraco. Sento numa mesa do canto e começo com os amarelinhos. Minhas mãos suam de euforia. A calda derrete e gruda nos dedos. Não importa. Um brinde a quem inventou esse Lexotan docinho. Enxergo muitas bandejas de caramelados se multiplicando pelas mesas. Sinto que é hora de abandonar o recinto quando me deparo com um brigadeiro comido pela metade, já melequento na toalha da mesa, e devoro o infeliz. Saio antes de pedir ao menino mais suado da festa um gole de fanta uva.

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