31 de out. de 2008

Bocejo

Um bocejo bem dado tem o seu valor. Dependendo da ocasião, pode valer mais que um cochilo no sofá da sala. Ele provoca torpor momentâneo, fecha os nossos olhos e apaga a luz dos pensamentos. Relaxa da ponta do pé ao fio do cabelo. Às vezes parece que vem com travesseiro.
Um bocejo dos bons não escolhe hora nem lugar para dar o ar da graça, apesar de ter uma certa preferência por tardes chuvosas e ambientes corporativos. É o cérebro mandando dizer “chega, deu, vou pra casa”. E, por um momento, os neurônios acreditam.
O bocejo é indiscreto, quase escandaloso. Adora legendar a preguiça com um ahhhhhhhhhh cheio de agás. Se a gente tenta seguir as regras de etiqueta e coloca a mão na frente da boca, ele se esquiva, dá um jeito de sair por entre os dedos. E se apertamos os lábios para segurar, aí mesmo é que ele faz careta.
Deve estar comprovado em alguma comunidade científica que o bocejo tem, sim, vontade própria. E sabe ser persuasivo. Se ele quiser que a gente estique os braços para cima e alongue as costas para os lados, é o que vamos fazer. Se ele decidir ter companhia, outros bocejos serão desencadeados como uma hola de estádio em final de campeonato.
De tão sincero, o bocejo contagia. A outra pessoa é pega de surpresa e quando vê já abriu a boca. Não é que nem o espirro, que sai como um grito. Quem boceja sussurra um poema sem se preocupar com as rimas.
Se fosse uma pessoa, o bocejo seria alguém que vive no mundo da lua, daqueles que não se estressam e não envelhecem tão cedo.
Difícil explicar o que é o bocejo. Um direito adquirido. Uma cama king-size no meio do nada. Um convite irrecusável ao ócio. Um milhão de dedos fazendo massagem nos ombros da gente. Um alerta contra filmes chatos. Uma aula de democracia: ricos e pobres bocejam da mesma forma. O o que muda é o hálito.

P.S.: durante esse texto, o bocejo se pronunciou 27 vezes. Concordou com o raciocínio, corrigiu o português, levantou e foi dormir.

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