26 de out. de 2009

Memória

Se eu fosse a minha memória, nunca mais falava comigo. Ela sabe que não há confiança na nossa relação. Prefiro me garantir com bilhetinhos espalhados pela casa. E no painel do carro. Mesa de cabeceira. Balcão da cozinha. Minha bolsa também é um grande mural, é só virar tudo em cima da cama e fazer a contagem: 87% são lembretes variados.
É importante frisar que eu não mato árvores aleatoriamente para compensar as fraquezas da memória. Já escrevi muito na palma da mão. Hoje eu reciclo qualquer pedaço de papel que possa vir a ser um post-it. Verso de provas do Anchieta, avisos de reunião de condomínio, folhas com desenhos interrompidos, contas pagas, matérias que imprimi para ler. Os papéis são devidamente rasgados, empilhados e guardados. Sou a rainha do moleskine enjambrado. Esses dias, meu filho juntou dois bilhetes meus e remontou parte de um desenho abandonado.
Uso lembretes analógicos e digitais. A agenda e os alarmes do celular são meu braço direito. Como se isso não bastasse, ainda faço rascunho dos bilhetes. Para depois passar a limpo no lembrete oficial. Organização ou doença, depende do ponto de vista.
Se eu estivesse no lugar da minha memória, me sentiria ofendida. Mas não é nada pessoal. Gosto de registros. Eu não sei como ela organiza tudo lá dentro, se não vai achar uma grande bobagem o “devolver sombrinha” e só cuidar das lembranças da infância. Prefiro me garantir. E tem o prazer enorme de riscar da lista o que já foi feito, colocar o bilhetinho no lixo com a sensação do dever cumprido. Minha memória nunca vai entender essas coisas.


photo from urban camouflage

Um comentário:

Fernanda Reali disse...

Tenho uma amiga que diz assim: chega uma idade em que a gente não sabe se namora o inglês ou o alemão. Parkinson ou Alzheimer. hehe

Se eu não anotar, bye bye, não lembrarei.

Bjs