29 de set. de 2008

Economia de guerra

A crise bateu feio na casa dos Silva de Andrade e Almeida. O sobrenome já era um excesso, precisava tudo isso? Eles poderiam muito bem viver com apenas um. Optaram pelo Silva, mais popular e condizente com a pindaíba atual.
Economia de guerra era a nova regra da casa. E que ninguém quebrasse essa regra porque não tinha dinheiro para comprar outra.
Começaram cancelando as assinaturas de jornais e revistas, passando a surrupiar a Veja do primeiro vizinho que a dispensasse no lixo. As notícias não ficavam tão velhas de uma semana para outra, sempre alguém matava alguém, um famoso descasava de outro famoso, as falcatruas seriam sempre falcatruas.
Depois de cortar até manga de camisa, respiraram fundo e atacaram um ponto nevrálgico do orçamento: a lista de supermercado. A partir de agora, supérfluos como biscoitinhos em formato de urso teriam que ganhar autorização do Ibama para entrar na lista de compras. Bebida, só água da bica. Palmito, não. Cogumelo, nem pensar (só se nascesse no vaso de plantas). Filé, fora de cogitação. E os dentes da família, alinhados a peso de ouro? Todos podiam mastigar um músculo traseiro previamente amaciado com casca de mamão. E assim, sem piedade, riscaram itens antes consumidos sem dor na consciência. Foi quando alguém lembrou dos produtos de limpeza.
A empregada, já instruída a grudar restos de sabonete até formar aquela bola multicolorida, levou um choque quando comunicaram que a caixa aberta de Omo Dupla Ação Cores Plus seria a última. Marcas líderes, o fim de uma era. Elas nada mais eram do que uma dependência estabelecida pelos meios de comunicação de massa (falando em massa, Barilla non. Falando em italiano, cancela as aulas). Quem disse que roupas de fino trato não podem ser lavadas com marca diabo? Eles ainda tinham roupas de fino trato para lavar e pendurar nos cabides (de lavanderia, mas eram cabides. Lavanderia, outro fim de outra era). Comprar Omo cegamente era um preconceito em relação a... a... a... ninguém lembrava os nomes de sabão em pó existentes no mercado. Bando de mal-acostumados.
Não demorou até que a família chegasse ao assunto mais polêmico da casa, algo sempre poupado em crises anteriores dada a complexidade do tema: o papel higiênico. Precisava comprar papel higiênico colorido? Com essência de óleo de amêndoas? Com camada ultra-extra-soft com picotes light, que não agridem a natureza da sua pele? Alfreeedo, traz o lixinha.... A filha se rebelou e disse que até abria mão do sobrenome pomposo, do palmito, da Barilla. Mas se fosse obrigada a usar lixa nas partes íntimas, sairia de casa. O pai topou na hora. Uma boca a menos.

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