16 de set. de 2008

Túnel do Tempo 2 - jornal Zero Hora


Foi o que o piloto disse. Menos cinco, num inglês de-alto-falante totalmente compreensível. E disse em Celsius! Mariana enroscou a manta no pescoço e sorriu. Como era bom fugir do calorão de Porto Alegre, que ultimamente não dava trégua. Nove horas de vôo depois, lá estava a civilização climática. Os malas que levantassem correndo para abrir os compartimentos superiores. Ela não tinha pressa de sair do avião, queria se preparar melhor para receber o frio. Enquanto mulheres da econômica passavam a mão nas nécessaires desprezadas pela primeira classe, Mariana fechava os olhos e cantava “Menos Cinco, Menos Cinco” com a melodia de New York, New York.
A viagem mal tinha começado e ela já podia comemorar. Conseguiu sentir gosto na comida. Viu um filme que havia perdido no cinema. Fez uma king size de pobre com as duas poltronas vazias ao seu lado e dormiu quase toda a viagem. Agora o piloto confirmava suas expectativas: manta, touca, luva, meia-calça, segunda pele, blusão de Gramado, casacão de pura lã. Para a felicidade ser completa, só faltava encontrar uma Nova Iorque branquinha de sales.
Mais uma vez, Mariana conferiru se estava com tudo: passaporte, visto, voucher do hotel, verdinhas (como se elas pudessem voar de sua cintura), passagem de volta, formulário preenchido. Mas como era meio obsessiva, conferiu tudo de novo: passaporte, visto, voucher do hotel, verdinhas (como se elas pudessem voar de sua cintura), passagem de volta, formulário preenchido. Sim, sim, tudo ok.
Do outro lado do mundo, ficaram as roupas de verão, o ar-cndicionado do trabalho que nunca dava conta, uma piscina cheia, uma praia lotada e – ah não! – a tabelinha de conversão de Fahrenheit para Celsius. Como uma gaúcha ia comemorar cada minuto longe do calorão sem a tabelinha?
Seus amigos diziam que a temperatura é como o dólar, melhor não converter. Mariana deveria pensar no termômetro local. Ninguém estava pedindo para ela comer manteiga de amendoim e bacon duplo no café da manhã. Fahrenheit ou Celsius, fazia frio de rachar.
Falar é fácil. Para curtir o inverno em pleno verão, ela precisava saber a temperatura em Porto Alegre. Nem guaraná diet fazia tanta falta naquele momento. Mariana andava pela Quinta Avenida procurando um relógio da Ativa. Ou então, um alto-falante imaginário onde pudesse ouvir a voz daquele piloto recitando um poema em Celsius. Fahrenheit lembrava cálculo, regra de três, onças, libras, galões e sua incapacidade com conversões em geral.
Os dias se foram, as verdinhas também. Mariana comprou casacos lindos, talvez quentes demais. Culpa do preços incríveis e da péssima tática de converter hot chocolate para caipirinha. Ela comia bagels tostados e raciocinava em Chicabon. Ligava o chuveiro do hotel e pensava na ducha Corona da praia. A sombra do Fahrenheit a perseguiu o tempo todo como um maldito fiscal da imigração.Dentro da Macy´s, Mariana ficou sabendo por outro turista brasileiro que aquele verão já era consagrado o mais quente da década. Na última noite, ela sonhou em inglês. Por azar acordou no exato momento em que um vendedor da Gap – casado com uma brasileiro – ia ensinar para ela um truquezinho superfácil de fazer a conversão.

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